Argemiro Patrocínio
2002
Argemiro Patrocínio

Ficha Técnica

Sobre o Álbum

SEU ARGEMIRO, o samba em pessoa.

A semente do disco solo de Argemiro Patrocínio começou a brotar ainda durante a gravação de Tudo azul, em 1999, tributo da produtora Marisa Monte ao samba diplomado da Velha Guarda da Portela que ela conhece de berço, já que o pai foi diretor da escola nos anos 70, ganhou até placa no Portelão. E sua casa, onde reinavam Clara Nunes e Candeia no toca-discos, era frequentada por bambas como Monarco. Mas foi a partir de encontros musicais com o violonista Raphael Rabello e Paulinho da Viola (este a aconselhou a gravar "Doce melodia"), que sua relação com a Velha Guarda, foi consolidada em meados dos 90. Quando ativou seu selo, Phonomotor, lembrou-se que o grupo não gravava desde 1988 e fez o convite. A cantora percebeu que Seu Argemiro, como ele é chamado não sem alguma reverência, esquivou-se de um destaque maior entre os autores do repertório de Tudo azul, ao mesmo tempo em que guardava com carinho um caderno organizadíssimo reunindo as (mais de cem) letras e os tons dos sambas que começou a compor tardiamente, em 1976, já na casa dos 56 anos. Essa mina de pérolas musicais preciosas foi a base da produção, um trabalho "em regime de mutirão" empreendido por Marisa auxiliada por Paulão 7 Cordas, Mauro Diniz e a revelação de sambista Teresa Cristina. "Era muita coisa linda", a cantora lembra com os olhos brilhando. "O que fizemos foi buscar um equilíbrio interno de temas, assuntos e estilos, guiados pelas escolhas pessoais do Seu Argemiro", admite. A voz delicada e a pegada sutil do sambista descartavam uma orquestração opulenta, daí as escolhas minimalistas que colorem a base alicerçada pelos arranjadores Paulão (violão 7 cordas) e Mauro Diniz (cavaquinho) mais a artilharia ligeira de percussão (Marcelo Moreira, Felipe D'Angola) e bateria (Marcelo Costa) e os timbres adicionais do cello de Jaquinho Morelembaum (em participação especial), o violino de Nicolas Krassik, acordeon de Waldonys, gaita de Rildo Hora, flauta e clarinete de Dirceu Leitte. Foram dois meses de gravações e mixagem a partir da garimpagem musical iniciada em agosto do ano passado. Duetam com Seu Argemiro a parceira dele, Teresa Cristina, em Amém, o ás de espadas do samba contemporâneo Zeca Pagodinho ("ele adora o falecido Alberto Lonato e escolheu uma parceria dele com Argemiro, A saudade me traz", conta ela) e Moreno Veloso em Vou me embora pra bem longe. "Gosto da jovem carioquice dele", define Marisa que chamou outro conterrâneo modernista, Marcelo D2, para dar um trato eletrônico ("ele mostrou elegancia e respeito") na faixa bônus Vou me embora pra bem longe. O disco terá um clipe (Solidão) e um video release de 15 minutos além dos esmerados cuidados da Phonomotor.

Encantado com o desvelo da produtora ("ela é muito cuidadosa"), Seu Argemiro, nascido na Piedade em 1923, mas cobra criada de Oswaldo Cruz desde 1938, está orgulhoso com a estréia caprichada quase aos 80. Técnico em refrigeração ("trabalhei na Cassio Muniz, no Ponto Frio", enumera) Argemiro aprendeu pandeiro "no olho". Seu ídolo no instrumento foi Neco. Na esfera autoral, conviveu com o bam bam bam Paulo Benjamim de Oliveira, o Paulo da Portela, liderança máxima da escola. "Tomei muito cascudo dele, era pequeno e gostava de fazer peraltice, dizer besteira e ele era um disciplinador, andava sempre de gravata, não admitia desvios", perfila. Também Manacéa e Francisco Santana, este seu futuro parceiro, entram nas admirações de Argemiro que "fazia samba por fazer, só para cantar em botequim" até que seu "A chuva cai" (com Casquinha) estourou na voz de Beth Carvalho, em 1978. Dois anos antes (ele lembra precisamente a data, 8 de dezembro de 1976, "dia de Nossa Senhora da Conceição") ingressou na Velha Guarda da Portela onde se destacaria nos duos de pandeiro com Alberto Lonato. "Ficaram lendários os desenhos que eles faziam no ritmo", exalta Marisa.

Galanteador, malandro da velha estirpe, Argemiro transpôe para seus sambas embates amorosos como o de Nuvem que passou . "Essa saiu de repente, inteira por causa de uma mulher que não deu certo. Nós nos encontramos, ela veio com saudade, mas eu não quis dar o braço a torcer", resume. Saia da casa dos outros lembra outra companheira que era frequentadora assídua da vizinha, em frente numa vila em que ele morava em Oswaldo Cruz. "Ela se metia até na briga do casal", diverte-se ele. Como anuncia o título, Solidão foi feito num momento desacompanhado, como sempre batendo numa caixa de fósforos. É o processo usado por Argemiro que guarda a melodia na cabeça e confere tudo na casa do Sérgio (filho do célebre Osmar) do Cavaco, tirando a harmonia no instrumento do sobrenome artístico da dinastia. Quando perdeu a mulher, Alberto Lonato escreveu A saudade me traz. "Gostei muito da letra e fiz a segunda parte do samba", lembra o compositor, que prefere compor a primeira. Como ocorre em Amém, com Teresa Cristina ("a voz dela parece um lamento, é uma beleza"), A chuva cai ("fui logo mostrar na casa do Casquinha e pelo interesse dele vi que era um bom samba") e no Lamento de um portelense, completado por Chico Santana.

Do autor do clássico Saco de feijão também é a parceria Deslize da vida, escrita numa época em que Argemiro andava na pindaíba. "Na letra tinha uma contradição: eu dizia que não tinha amigos, mas lá estava o meu parceiro Chico que me dava conselhos", comove-se. E puxa o breque: "todas as músicas que escrevo são sobre passagens da minha vida". Seu Argemiro é o samba em pessoa.